Podemos começar pelo Jardim do Carregal, a que a
Municipalidade quer que se designe por Carrilho Videira e outros nomes mais, e,
a caminho da Rua do Rosário, encontramos uma viela íngreme, calcetada a
granito, denominada Beco do Paço - ao que parece por aqui se localizar o
palacete
e a grande quinta que o tio de Almeida Garrett possuía.
Tratava-se do rico negociante Domingos do Rosário
Nascimento
e Almeida, que cedeu os terrenos para a abertura da rua que por esse facto se
passou a chamar do Rosário. E na esquina desta rua com Prof. Jaime Rios de
Sousa foi construído, em meados do século passado, um extraordinário palacete,
o dos Albuquerques. Possuíam a mais bem apetrechada cocheira da cidade e o
Senhor Conde de Aurora considerava os jardins os melhores e mais bem cuidados
jardins particulares da cidade. Está tudo a ir abaixo para dar lugar a um
negócio dos chamados de grande superfícies... Sinal dos tempos. Virando para a
esquerda, vamos encontrar na esquina da Rua do Rosário com a de D. Manuel II o
tal prédio com muitas histórias, a que já nos referimos.
Voltando pela Rua de D. Manuel II, passamos a porta
da sede do Clube de Campismo do Porto e onde, em frente, ficava o Horto do
Moreira da Silva, com a sua monumental Pêra publicitaria na parede lateral mais
próxima do Hospital. É já uma saudade; nem vestígios deixou, o que não acontece
com o símbolo do Metralhadoras 3, que no granito persiste em deixar marcada a
sua lembrança nos muros do antigo quartel.
Logo a seguir, e mantendo-nos do
lado direito da rua, surge-nos o antigo Palácio dos Carrancas, onde esteve
instalada a tal fabrica, hoje Museu Nacional de Soares dos Reis. Merece
demorada visita. Volvendo sobre os nossos passos, depara-se-nos a parte nova do
Hospital Geral de Santo António, com uma pequena grande maravilha. Suponho que
não o irão "esquecer", mas vamos lembra-lo aqui: ali havia um
cemitério, legitimo descendente do Campo das Malvas que para aqui transitou -
ainda o Sitio se chamava Casal do Robalo -, trazendo o cruzeiro e a antiga
capela do interior do cemitério que ficava junto a Torre dos Clérigos. Foi já
neste cemitério que enterraram os corpos decapitados dos Mártires da Liberdade
que o absolutismo de D. Miguel fez enforcar na Praça Nova e depois, como era de
uso, decapitar e ostentar-lhes as cabeças em diversos locais, até apodrecerem...
normalmente espetadas em varas que iam colocar a porta de casa dos seus mais
directos familiares.
Tudo foi deitado abaixo com as
obras, mas esperamos que refaçam estas marcas da historia do nosso burgo,
especialmente aquelas ingénuas "alminhas do purgatório" a lembrar aos
apressados vivos a longa agonia dos que deram a vida pelo direito de termos
liberdade.
Descendo pela rua que homenageia o pintor Alberto
Aires de Gouveia, nascido no Porto em 1867 e aqui falecido em 1941, vamos
surgir no Largo do Viriato. Estamos no chamado, até 1853, Largo de Santo
António da Bandeirinha, onde existia o tal famoso Palácio dos Carrancas, o
primeiro. No centro do jardim, funcionam os Banhos Públicos que aqui foram
mandados construir aquando da epidemia de tifo, que grassou no Porto. Em
frente, fica o edifício onde ainda se mantém a Junta de Freguesia, a espera que
o novo imóvel, para onde se mudara, mal esteja construído.
Bem, mas nós vamos enfiar pela rua à nossa direita -
rua da Bandeirinha abaixo. Logo no inicio viveu o fundador da Academia
Portuguesa de Ilusionismo, escritor da especialidade e mentalista Martins de
Oliveira. Era também nesta ma que morava, com os seus pais, o pintor Alberto
Aires de Gouveia, mantendo, no entanto, noutro edifício da mesma rua o seu
atelier.
Mais abaixo, quase junto a entrada do Palacete das
Sereias, fica a casa onde viveu e faleceu Gonçalo Sampaio, a quem a nossa
musica e o nosso folclore tanto devem. Logo em frente duas "jóias":
as muito bem recuperadas Escolas Primarias da Bandeirinha. Curiosamente, numa
rua onde tanta gente ilustre, quer portuguesa quer estrangeira, viveu, surge
inopinadamente uma fabrica de seda, de António de Oliveira Lemos, para aqui
transferida aquando das obras na Rua dos Carrancas.
Passando junto ao nosso conhecido Palácio das Sereias
ou dos Portocarrero, cá nos vamos encontrar num dos mais bonitos, e mais
esquecidos, miradouros portuenses sobre o rio. Aqui, nesta esquina, a esquerda
ficava a tal bandeirinha que deu nome a esta zona. Não sabemos o porquê de a
Câmara não repor a bandeirinha que ali existia e, no seu lugar, colocar uma
coisa a fazer de conta... Sobre o pináculo original, de granito, colocaram
uma haste metálica, tendo no meio uma esfera armilar; um pouco mais acima da
esfera, um arremedo de bandeira, assim a modos que um cata-vento; mais acima uma
cruz de malta; todo este conjunto encimado por uma espécie de pinaculozinho
metálico...
Continuemos pela esquerda, ficando ao nosso lado
direito o terreno do judaico almocavar, e deixemo-nos possuir pela mística de
estarmos no Monte de Jesus onde, a meio da encosta, se encontra a fonte de
espaldar, a que já nos referimos e que para aqui veio do Mercado do Peixe. Se
seguíssemos sempre em frente iríamos encontrar outra "beldade" desta
freguesia - "O Património dos Pobres" ou, como e oficialmente
conhecido, o Bairro D. António Barroso"; constituído por 28 moradias de
habitação de famílias de poucos recursos e erguidas pela tenacidade da bondade
do Pai Américo, esse exemplo de bem-fazer aos outros que, para honra de todos
nós, está em vias de ser canonizado. o bairro foi inaugurado em 8 de Dezembro
de 1954.
Se descêssemos as escadas do Monte dos Judeus iríamos
encontrar casas claramente originarias dos séculos XVII e XVIII, as quais, por
falta de legislação adequada, se vão cometendo barbaridades que um dia destes
terminarão em incaracterísticos prédios com portas e caixilhos de alumínio e
antenas parabólicas no telhado. Aplaudimos o esforço das denodadas gentes do
CRUARB na sua luta pela recuperação da frente de Miragaia, e não só, mas agora
chamamos a atenção para a maravilhosa e rica arcada de Miragaia. Vamos deixar
o percurso do Monte dos Judeus para outra altura - e dá bem para um percurso
apenas por esta zona - e retrocedamos às "Sereias". Ficando elas nas
nossas costas, salvo seja, descobrimos umas íngremes escadas, exactamente
denominadas de escadas das Sereias, que desembocam lá em baixo no largo da
Alfândega. Felizmente que foram ultimamente recuperadas e hoje já se podem
descer com relativa tranquilidade. Mas deixemos as Sereias e as suas escadas e
vamos em frente pela parte mais estreita da rua, para passar ao lado do muro do
antigo Hospital Britânico e rever Monchique. Cá estamos na Rua Nova da
Alfândega, correndo paralela à rua de Miragaia, onde a nossa saudade evoca o
vulto de Pedro Homem de Mello com quem, na casa de fados aqui existente - das
poucas que ainda resistem na cidade -, de quando em vez acamaradávamos, com
verdadeiras aulas de bem dançar o folclore português, porque o mestre não se
importava nada, antes pelo contrario, de mostrar como era.
Não, não vale a pena ir pela Rua de Miragaia, porque,
como já sabemos, se acha cortada pelo Largo da Alfândega, pelo que as duas
partes da rua não têm comunicação. Mas se formos por lá, tendo o casario à
nossa esquerda e à direita a rua e o rio, vamos deparar com o complexo da
Alfândega Nova. Se estiver aberta com qualquer exposição, é caso para não
perder, sendo agora o casarão aproveitado para o badalado Museu dos
Transportes. Este equipamento permite a preservação e recuperação de um valioso
espólio existente em Portugal na área dos transportes. A Associação para o
Museu dos Transportes e Comunicações, criada para o efeito, pretende não só
fomentar o interesse pelos transportes, como também preservar as infra-estruturas
do edifício da Alfândega, tomando-o permanentemente visitavel.
Quanto a
Estacão Ferroviária Porto-A, outrora anexa ao edifício, desapareceu, para dar
lugar a um parque de estacionamento.